sábado, 25 de agosto de 2018

GRANDES PERSONAGENS DA NOSSA HISTÓRIA - GREGÓRIO FORTUNATO


Gregório Fortunato nasceu na cidade de São Borja, no Rio Grande do Sul, a 24 de maio de 1900. Filho de escravos alforriados, Damião Fortunato e Anna de Bairros Fortunato, quando tinha 3 anos de idade, seus pais deixaram a charqueada e se tornaram empregados domésticos, na estância da família Chaves, parentes do Senador Pinheiro Machado. Anna e Damião lhe deram o nome de Francisco, em homenagem ao avô materno, mas os Chaves o batizaram como afilhado de São Gregório de Nazianzeno, um dos quatro maiores doutores da Igreja Ortodoxa Grega. Todavia, o registro de Gregório só foi feito em 02 de outubro de 1929.
Após a morte de seu pai (em virtude de uma chifrada de um boi xucro na fazenda dos Chaves), Anna foi cozinhar na estância de Santos Reis, em São Borja, para o general Manuel Nascimento Vargas. Na estância dos Vargas, Gregório fez de tudo: foi campeador, ajudava a carnear, rachava lenha, conserva cercas. Durante este período tornou-se colega de brincadeiras de Benjamim Vargas (Beijo), mostrava-se amigo de Protásio Vargas e Spártaco Vargas (Patáco), mas chamava Viriato Vargas de doutor, demonstrando a distância que os separava. Getúlio Vargas, quase sempre ficava em completa mudez, não participando das brincadeiras, sentado no seu canto lendo os livros que recebia de Buenos Aires.
Dona Cândida Francisca Dorneles Vargas, mulher do general, decidiu ajudá-lo ensinando-lhe as primeiras letras. Percebia que Gregório não desejava acabar a juventude na rotina da fazenda, desta forma, encaminhou-o ao coronel Deoclécio Dorneles Motta, qual era vice intendente de São Borja e comandante do Corpo de Polícia Municipal, qual tornou Gregório peão de pátio ou mandalete. Aos 29 anos, Gregório Fortunato ainda era homem sem história pessoal. Tudo o que fazia vinculava-se aos Vargas. Quando saiu da Polícia, Gregório trabalhou com Viriato Vargas no escritório de advocacia, dando recados, entregando e recebendo encomendas.
Neste interim, ocorreu a revolução de 1930, que teve início após a eleição de Júlio Prestes contra Getúlio Vargas e a morte do então “presidente” da Paraíba, João Pessoa, tendo sido deflagrada uma luta sangrenta que culminou com o impedimento da posse do eleito Júlio Prestes e a formação de um Governo Provisório, tendo Getúlio se tornado o Chefe do Governo. Logo que assumiu, Getúlio suspendeu as garantias constitucionais da Constituição de 1891, passando a governar por decretos, tendo inclusive dissolvido o Congresso Nacional do Brasil, os congressos estaduais e as câmaras municipais.
Os paulistas eram simpatizantes de Júlio Prestes e não aceitavam o governo de Getúlio Vargas. Em determinada situação, quatro estudantes paulistas que protestavam contra Getúlio Vargas foram assassinados, em 23 de maio 1932, por partidários de Getúlio Vargas, tendo sido deflagrada outra revolução, denominada Revolução Constitucionalista de 1932.
Em virtude desta revolução, Gregório foi chamado a uma reunião por Benjamim Vargas para discutir como combateriam a Revolução Constitucionalista, recebendo como missão de Beijo reunir o maior número de voluntários para formar o 14º CA para combater a Revolução Constitucionalista. Pode-se dizer que neste momento começa o laço mais estreito entre Gregório e os Vargas, passando a ser homem de confiança destes. Gregório possuía uma virtude especial, a fidelidade.
A partir de Julho de 1932, Benjamim Vargas e sua tropa atuaram com distinção, na região de Campinas em São Paulo e depois na Serra da Mantiqueira em Minas Gerais, sob o comando geral do então coronel Eurico Gaspar Dutra. Seu ajudante mais eficiente, leal e destemido foi Gregório Fortunato, tendo o coronel, quando terminada a luta, dobrado-lhe o soldo e lhe nomeado tenente.
Após este fato, Gregório Fortunato passou a trabalhar quase que diretamente com Benjamin Vargas, o Beijo, primeiro, ajudando-o a procurar um jornalista que se escondia na Argentina e atacava o governo de Getúlio e toda a família Vargas através de folhetins. Depois, passou a trabalhar de investigador na polícia após ter pedido ajuda a Beijo para um emprego fixo. Por fim, não dando certo na polícia em face a problemas com seu chefe, que não admitia a relação próxima de Gregório com os Vargas, passou a ajudar Beijo nos contrabandos de carros que este realizava.
Importante ressaltar que Getúlio governou por decreto até 1934, quando o Congresso recém eleito aprovou a segunda constituição republicana e o confirmou no posto, por mais quatro anos. Em 1938, durante a preparação para as eleições presidenciais, Getúlio Vargas, na intenção de não deixar o poder por qual já estava por 8 anos, juntamente com os militares Eurico Gaspar Dutra e Góes Monteiro, articularam e deram início ao denominado “Plano Cohen”, que se tratava de escritos que “alegadamente” foram encontrados por militares e que continha planos de comunistas para atacar as entidades e instituições democráticas e o Governo Republicano.
Com base neste tal “Plano”, no dia 10 de novembro, decretando estado de sítio, com apoio do Exército, Igreja e dos intelectuais de direita, Getúlio Vargas deu início ao processo do golpe, fechando logo o Congresso e tornando extintos os partidos. Pela manhã assinava a nova Constituição e a tarde o ministro de Guerra a tornava pública. No dia 15 já não havia nenhuma instituição democrática de pé, tendo a ditadura de Getúlio se alastrado, com os soldados e suas máquinas de guerra nas ruas, toque de recolher, a censura à imprensa e a proibição de reuniões.
As medidas que vinha tomando confrontavam os integralistas, que, comandados por Plínio Salgado e o general Euclides Figueiredo elaboraram um contra golpe, com o objetivo de matar Getúlio Vargas, Góes Monteiro, Gaspar Dutra e Filinto Muller, os “cabeças” da ditadura. No entanto, o plano elaborado por estes falhou, e apesar de terem trocado tiros frontalmente com Getúlio Vargas, este foi salvo por seu irmão Benjamin, que matou o grupo que atacava o presidente.
Logo após o fato, Benjamin pediu para que todos se retirassem do gabinete do irmão, e sozinho com o presidente, propôs a criação de uma guarda pessoal, que ele próprio dirigiria, composta apenas de gaúchos missioneiros que tivessem admiração por Getúlio. O irmão escutou as ponderações do irmão e determinou verba para a contratação da guarda pessoal. Mas do que depressa, Benjamin endereçou telegrama a Gregório Fortunato, para que este se dirigisse rapidamente para o Rio de Janeiro, pois o cargo que sempre lhe prometera estaria a sua disposição.
Traz José Louzeiro em sua obra O Anjo da Fidelidade (2000, p. 190) que Gregório Fortunato, quando voltou a São Borja para recrutar os guardas pessoais de Getúlio fora visitar o general Manoel Nascimento Vargas e em discussão com Viriato Vargas, teria dito o seguinte: “Beijo é meu velho companheiro, Dr. Viriato. Tem hora que até esqueço da cor da pele e acho que ele é meu irmão. A gente se entende e se respeita. Se algum dia for preciso ser preso pra defender o lado dele, pois teja certo que vou puxar cadeia com a consciência tranquila”.
Antes do final do mês de fevereiro já estava o Gregório Fortunato de posse de uma lista de mais de 15 homens, tendo voltado ao Rio e ficado acertado com Benjamin que a GP (Guarda Pessoal) começaria a funcionar com 20 elementos, sendo os 15 relacionados pelo Nego e 5 indicados por Benjamin. A GP ia se formando e em janeiro de 1942 já contava com 32 componentes, todos liderados por Gregório Fortunato.
Sete meses depois, em um comício realizado em Volta Redonda, onde estava sendo construída a CSN (Companhia Siderúrgica Nacional), Getúlio fez um discurso para centenas de trabalhadores, estando Gregório colado no presidente. Quando, a tarde estava indo embora, num relance, Gregório percebeu o reluzir de uma arma na mão de uma pessoa com chapéu de feltro, meteu-se na frente de Vargas ao mesmo tempo que se ouvia o estampido da arma, tendo uma bala atingido o ombro esquerdo do Nego e Getúlio nada sofrido.
Em 18 de julho de 1945, enquanto os soldados brasileiros retornaram vitoriosos da 2ª Guerra Mundial, Getúlio Vargas e sua equipe desfilaram em carro aberto, com os elementos da Guarda Pessoal, comandados por Gregório Fortunato. No entanto, começou o inferno astral de Getúlio Vargas, pois iniciou-se a pressão para uma mudança da ditadura getulista para um regime mais democrático. Nesta época também, iniciavam-se diversas críticas ao governo de Getúlio Vargas, muitas delas vindas de um jovem jornalista, na época com 29 anos, chamado Carlos Lacerda.
Em meados de outubro de 1945 deu-se a ruptura de Getúlio com os militares que o mantinham no poder, ao ter decidido nomear seu irmão Benjamin como sendo o chefe de Polícia do Distrito Federal. Mediante a isto, os titulares da Marinha e da Aeronáutica se uniram aos comandantes do Exército e decidiram que Getúlio deveria renunciar. Pouco depois da meia noite do dia 28 para 29 de outubro, após o palácio do Catete ser invadido pelos militares, Getúlio assinou a carta-renúncia. Getúlio acabou retornado a sua estância do Itu em São Borja no dia 31 de outubro.
De ditador se transformou em democrata e em 1950, aos 68 anos se lançou candidato à presidência, sendo eleito com 49% dos votos contra Eduardo Gomes, tomando posse em 1951. Benjamin Vargas foi incumbido de reorganizar a Guarda Pessoal, auxiliado por Gregório Fortunato, sendo que a equipe não deveria passar de 50 integrantes, mas terminou ficando com 83.
No entanto, este segundo Governo de Getúlio Vargas fora mais conturbado do que os 15 anos que passará no poder no primeiro governo. A imprensa iniciou uma guerra contra aquele que tinha sido o tirano do Estado Novo. Já nos primeiros meses de governo Vargas, Carlos Lacerda começou a bombardear o Palácio do Catete. Não havia um dia que não se lia críticas no jornal em relação ao trabalho de Getúlio.

O atentado contra Carlos Lacerda, os inquéritos e o processo até a pronúncia

Em certa oportunidade, Carlos Lacerda denunciou a existência de uma quadrilha formada dentro do Palácio do Catete, que vendia empregos, promoções e sucateava a frota de veículos do governo. Em decorrência dessas acusações, Danton Coelho, amigo e cúmplice de Lutero Vargas (filho caçula de Getúlio), juntou-se ao empresário Euvaldo Lodi e Mendes de Morais, a fim de definirem como iriam “calar” o incômodo jornalista, pois se sentiam prejudicados; Lodi era colocado como oportunista, Lutero Vargas como bêbado habitual e Mendes de Morais como desonesto.
Em virtude dessas acusações, recorreram ao Anjo Negro com o objetivo de que este se livrasse do “incômodo”. Louzeiro (2000, p. 382) traz que Gregório riu da proposta que lhe fizeram e jamais a aceitou. Já diversos outros historiadores, com mais fervor Claudio Lacerda (1994), trazem que Gregório sabia e inclusive foi o mandante e quem selecionou os executores e os preparou para o atentado.
A partir do final do ano de 1953, Climério iniciou a investigação e passou a seguir a vida de Lacerda. Próximo as eleições, Climério convocou José Antônio Soares para o assassinato, qual, mediante promessa de pagamento, convocou Alcino João do Nascimento, qual já havia cometido um assassinato para Soares. Deste dia em diante os três sempre andaram em conjunto.
Acontece que, no dia 04 de agosto de 1954, Alcino e Climério, sem a companhia de Soares, vão até o Externato São José (hoje Colégio Marista), na rua Barão de Mesquita, na Tijuca. Lacerda, de terno branco, chegou e fez seu discurso. No entanto, havia uma multidão, e não foi possível concretizar o crime lá. Lacerda saí do Externato acompanhado do filho Sérgio e do major da Aeronáutica Rubens Florentino Vaz, qual fazia a segurança à paisana de Lacerda. Climério e Alcino seguiram em um taxi de um conhecido chamado Nélson Raimundo de Souza (que era também barbeiro no Palácio do Catete). Todos seguiram até a rua Toneleros, em Copacabana.
Conforme pode se verificar dos depoimentos no processo e na obra de Cláudio Lacerda (1994, p.121-127), verifica-se que o Studebacker dirigido por Nelson parou na rua Paula Freitas, transversal da rua Toneleros, e ele fica aguardando com o motor em funcionamento. Climério e Alcino vão em direção à esquina da rua Hilário Gouveia, onde ficam conversando e percebem a chegada de um carro com três pessoas que para em frente ao Edifício Albervânia. Carlos Lacerda, seu filho Sérgio e o major Vaz descem do carro. Climério atravessa à rua e para na outra calçada da rua Hilário Gouveia. Alcino caminha pela calçada oposta até a frente do edifício de Lacerda a fim de verificar se era mesmo este.
Já era dia 05 de agosto de 1954, às 0 horas e 30 minutos. Neste momento, Alcino, com um chapéu desabado, usando jaquetão cinza abotoado, caminha pela calçada pelo outro lado da rua, atravessa a rua fumando um cigarro acesso. O major Vaz vai abrir a porta do carro para entrar. Alcino começa a atirar com uma Smith&Wesson, calibre 45, tendo acertado o Major Vaz com dois tiros.
Neste momento Lacerda tenta atirar em direção ao Alcino, com seu Smith&Wesson, calibre 38, mas erra os tiros. Nesta troca de tiros com Alcino, acaba Lacerda ferido no pé. Neste ponto os historiadores também discordam, sendo que uma parte alega que o tiro acertado no pé de Lacerda fora disparado por Alcino, como outros alegam que, nunca ficou provado que o tiro partiu da arma de Alcino, sendo que poderia ter sido disparado pelo próprio Lacerda que tinha uma pontaria horrível.
Depois da troca de tiros, Alcino sai correndo e Lacerda e seu filho entram no prédio. Lacerda ainda volta e descarrega o revólver em direção a Alcino, não obtendo êxito. Climério já tinha fugido e ouvira os tiros de longe. Enquanto isso, o vigilante noturno Sálvio Romeiro estava a serviço rodando nas proximidades escutou os tiros e ao se aproximar do local, viu Alcino correndo. Ao gritar para ele parar, Alcino disparou em sua direção o acertando na perna esquerda, que, mesmo caído atirou em direção ao carro em fuga, acertou-o e ainda, conseguiu anotar a placa.
Com a arma encontrada e a placa do carro, o reconhecimento se tornou fácil. Foram instaurados dois inquéritos, um Inquérito Policial Civil (IPC) e outro Inquérito Policial Militar (IPM), quais ocorreram paralelamente. O primeiro a se apresentar foi o motorista Nelson, que após vários interrogatórios, indicou no dia 08 de agosto o nome de Climério.
Após Climério, chegou-se no segundo suspeito Alcino, preso no dia 13 de agosto e logo após, fora acusado Gregório Fortunato como o mandante do atentado, qual foi preso em 15 de agosto. No entanto, mais do que as acusações formuladas por Alcino contra Gregório Fortunato, pesaram as fichas diárias que o Nego escrevia, a fim de melhorar sua caligrafia, que demonstravam a relação dele com as pessoas que queriam a morte de Lacerda.
O IPM foi instalado pela Aeronáutica e controlado a partir da base aérea do Galeão. Conta em seu livro, o advogado de Gregório, Carlos de Araújo Lima (1957, volume II), que durante o período em que Gregório ficou preso no Galeão este jamais pode avistar-se ou falar livremente com Gregório, que havia o constituído como seu advogado. Fora praticada diversas torturas com este, para que confessa-se, mas em nenhuma delas obtiveram êxito. Gregório reclamava a seu advogado (Louzeiro, 2000, p. 397) que durante seus depoimentos eram feitas adulterações, sendo que este dizia uma coisa e era escrita outra.
No entanto, utilizando-se de subterfúgios ilícitos, conforme confessa Carlos Lacerda em livro intitulado Depoimento (1978), recebeu a sugestão de imprimir uma edição falsa de seu jornal para pressionar Gregório. No jornal, foi efetuado dois ou três gráficos, cujo manchete era: “Beijo Vargas foge para Montevidéu, abandonando seus amigos na hora do perigo. O irmão do Presidente da República fugiu para evitar …”. Este exemplar foi colocado em cima de uma mesa na galeria do quartel para que Gregório pudesse ler o que estava escrito, quando desabou, admitindo sua participação, mas livrando Benjamin Vargas e Getúlio de qualquer acusação.
A partir do momento em que Gregório Fortunato assumiu o papel de “o grande culpado”, os nomes do General Mendes de Morais, Danton Coelho, deputado Euvaldo Lodi, Lutero Vargas (filho de Getúlio Vargas) e Benjamin Vargas, foram desaparecendo do noticiário.
Em meio a este tumulto, ecoou um tiro de revólver e o País inteiro estremeceu. Getúlio Vargas havia se suicidado no dia 24 de agosto de 1954.
No dia 19 de setembro de 1954 foi encerrado o IPM, sendo entregue o relatório final sob a presidência do Coronel Adil de Oliveira, contendo um sumário de todas as investigações realizadas e de todos os depoimentos tomados. No dia 08 de outubro de 1954, o promotor Raul de Araújo Jorge ofereceu a denúncia contra Euvaldo Lodi, Ângelo Mendes de Morais, Gregório Fortunato, Climério Euribes de Almeida, José Antônio Soares, Alcino João do Nascimento, Nelson Raimundo de Souza, João Valente de Souza e Benjamin Dornelles Vargas, quais foram enquadrados por diversos crimes, tantos os autores materiais com os intelectuais.
As defesas prévias foram apresentadas seguindo basicamente a mesma linha uma da outra e muitas testemunhas foram arroladas (LACERDA, 1994, p.262-271 e LIMA, 1957, Vol. II).
Evandro Lins e Silva, advogado de Lodi e do General Mendes de Morais, conseguiu livrá-los de irem a julgamento. Lodi, por suas imunidades de parlamentar, pois era deputado federal. Mendes de Morais por ser general de quatro estrelas, e portanto, sendo militar, não deveria ser julgado por um tribunal civil por crime em que morrera um militar e o processo foi mandado arquivar pelo Supremo Tribunal Militar. A Benjamin Vargas restou uma denúncia por crime de favorecimento pessoal, mas foi impetrado habeas corpus perante o Tribunal de Justiça e este o excluiu do processo.
Foram arroladas no processo 38 testemunhas, sendo 10 convocadas pela acusação e 28 pela defesa. Após a oitiva das testemunhas, os réus foram pronunciados e encaminhados para julgamento perante o Tribunal do Júri (LIMA, 1957, p. 23-25). Fora apresentado o Libelo Acusatório pelo promotor Raul Araújo Jorge e a Contrariedade ao libelo-crime acusatório pelos defensores dos acusados.

O julgamento de Gregório Fortunato perante o Tribunal do Júri

Antes do julgamento de Gregório Fortunato, foram julgados Alcino (04 de outubro de 1956) e Climério (08 de outubro de 1956). Alcino, foi quem recebeu a maior pena, sendo condenado a 33 anos de prisão, acumulados da seguinte forma: 19 anos pelo homicídio qualificado contra o major Vaz; 12 por tentativa de homicídio contra Lacerda e 2 anos pelo delito de lesões corporais contra Sálvio Romero. Climério recebeu a mesma pena. Após o julgamento de Gregório Fortunato, foram julgados Nelson (15 de outubro de 1956), Soares (18 de outubro de 1956) e João Valente (22 de outubro de 1956). Nélson, o motorista do taxi foi condenado a 11 anos. Soares, mesmo não tendo participado do atentado, foi condenado a 26 anos (12 pela tentativa de homicídio de Lacerda, porque possuía antecedentes criminais, outros 12 pela morte do major e 2 anos pelas lesões contra Sálvio Romero). Por fim, João Valente foi condenado a apenas 2 meses pela entrega do dinheiro e auxílio a fuga.
Após dois anos e dois meses do atentado, chegou então o dia 11 de outubro de 1956, data do julgamento de Gregório Fortunato, indigitado mandante do crime da rua Toneleros, qual teve inicio às 9h10min. Mediante o sorteio, foram escolhidos os seguintes jurados para compor o conselho de sentença: Otávio Augusto Luiz Martins, Francisco Galloti Peixoto, Ragadásio Tovar, Pedro Henning Cardoso, Arthur da Mota Pereira, Sebastião Guimarães de Souza e Joaquim Teixeira Mendes.
Gregório Fortunato chegou ao Tribunal sob forte escolta da Polícia Militar. Mostrava-se bem disposto, parecia calmo e estava impecavelmente trajado com um costume de gabardine creme. Não assumiu a atitude humilde nem a postura cabisbaixa preferida pelos seus dois companheiros de empreitada que o antecederam no banco dos réus. A acusação tem a mesma composição dos dois julgamentos anteriores, isto é, o promotor Araújo Jorge auxiliado pelo deputado Adauto Lucio Cardoso e pelo criminalista Hugo Baldessarini. A defesa está a cargo dos advogados Romeiro Neto e Carlos de Araújo Lima.
Gregório deu suas declarações que logo em seguida foram reduzidas a termo, tendo em seguida, o juiz Sousa Neto, iniciado a leitura do seu relatório, que se prolongou até às 17h40, em virtude do número de documentos cuja leitura foi pedida pela defesa.
Após, a palavra foi passada ao promotor Araújo Jorge, qual leu o libelo expresso em 15 itens, acusando Gregório Fortunato de haver contribuído de algum modo para que outrem fizesse disparos de arma de fogo contra o jornalista Carlos Lacerda na noite de 4 para 5 de agosto de 1954, de que resultaram ferimentos na pessoa do jornalista e do guarda municipal Sálvio Romeiro e a morte do major da Aeronáutica Rubens Florentino Vaz. Durante a explanação da acusação, por duas vezes faltou luz nos plenários, sem o promotor se incomodar com tal situação. O Promotor prosseguia criticando o Ministro da Justiça da época, Tancredo Neves, por ter este alegado na época que o fato teria sido apenas um incidente de rua. Em suas palavras finais, rememorou os fatos que precederam o crime e as providências tomadas pelo general Caiado de Castro para que Gregório não conseguisse fugir. O promotor ocupou quase todo o tempo reservado a acusação restando apenas 50 minutos para seus auxiliares.
A defesa iniciou seu trabalho com o discurso pronunciado pelo advogado Carlos de Araújo Lima, que principiou dizendo (LIMA, 1957, p. 70):
“Lacerda não é brasileiro senão pelo nascimento, pois trata-se, apenas, de um Agente do Capital Estrangeiro, o mesmo que pretende submeter o Brasil ao seu domínio completo, tal como denunciou, nos últimos momentos de vida, o Presidente Getúlio Vargas.
Carlos Lacerda é o CRIME. Suas campanhas contra a honra alheia levam ao crime. É o único responsável pelas agressões e atentados de que foi vítima e de que faz odubo para a sua correira e a sua propaganda eleitoral.”
Alegou ainda o advogado Carlos de Araújo Lima que o arquivo de Gregório fora divulgado de maneira unilateral e justificou a juntada de documentos que tornaram mais longa a leitura dos autos, pois visavam ao restabelecimento da verdade, apresentada de um só lado, como o que foi feito na apresentação de propostas indecorosas feitas a Gregório, sem que se publicassem as respostas que dera, repelindo-as. Alegou ainda, que o “sumiço” dos arquivos de Gregório, retirados de dentro de sua sala no Catete, foram propositais, pois poderiam inocentar o acusado, e que fora publicado na imprensa apenas o que interessava aos responsáveis pelo IPM.
Ainda nas suas explanações, o advogado Lima expôs que o responsável pelo IPM, Coronel Adil de Oliveira, era completamente racista e tentou de todas as maneiras acusar o homem “preto” que tinha se tornado peça importantíssima para o governo de Getúlio. Alega que os oficiais da aeronáutica não admitem um “preto” rico como se tornou Gregório. Às 23h30min a sessão foi suspensa para um ligeiro repouso. Na volta, assumiu a tribuna o também advogado de defesa Romeiro Neto. Este iniciou sua explanação repelindo energicamente a acusação que lhe havia feito o promotor público, de haver procedido com indignidade na defesa do acusado.
Na réplica, o promotor Araújo Jorge, procurou refutar as alegações da defesa, afirmando com veemência que Gregório praticou o crime por dinheiro, onde, na mesma linha fora as alegações dos advogados de acusação Hugo Baldessarini e Adauto Lucio Cardoso.
Na tréplica, o advogado Carlos de Araújo Lima fez uma explanação brilhante, expondo que Gregório não participou de qualquer preparação do crime, sendo que este fora, conforme o depoimento de Climério, arquitetado exclusivamente por este último, sem qualquer interferência de Gregório, sendo por diversas vezes aplaudido pelo público presente na sessão do Tribunal, tendo a necessidade de interferência do juiz Souza Neto por diversas vezes através de enérgicos toques de sineta, ameaçando inclusive de se evacuar a sessão para se manter a ordem.
Após a tréplica, o juiz-presidente procedeu à leitura das conclusões e passou à formulação dos quesitos, recolhendo-se com os jurados à sala secreta, para deliberar, somente regressando ao salão do Júri às 5 horas da madrugada. Então, às 5 horas da madrugada do dia 12 de outubro de 1956, o juiz Sousa Neto, de pé, juntamente com todo o Tribunal e o público, anunciou a decisão do Conselho de Sentença, que considerava o réu Gregório Fortunato culpado de haver colaborado para que outrem fizesse disparos de armas de fogo contra o jornalista Carlos Lacerda, ferindo-o, e ao seu acompanhante, major Rubens Florentino Vaz, que veio a falecer em consequência destes ferimentos. Foi também o réu Gregório Fortunato considerado culpado pelas lesões físicas que o guarda municipal Sálvio Romeiro recebeu de João Alcino do Nascimento.
A totalidade dessas penas, como nos julgamentos anteriores, de Alcino e Climério, somava 33 anos de reclusão, sendo diminuída em 8 anos por ter entendido o magistrado que Gregório quis participar de crime menos grave, totalizando 25 anos. Sua pena foi comutada para 20 anos pelo presidente Juscelino Kubitschek e, depois, para 15 anos pelo presidente João Goulart. No entanto, após já ter cumprido 8 anos de sua pena, em 23 de outubro de 1962, Gregório Fortunato foi assassinado na penitenciária Frei Caneca, no Rio de Janeiro, pelo também detento Feliciano Emiliano Damas, o que é apontado por muitos como queima de arquivo, já que o “Anjo Negro” escrevera um caderno de anotações com suas memórias, cujo objetivo era a publicação de um livro com informações e verdades jamais ditas, tendo sido o único objeto de sua propriedade que desapareceu na prisão após sua morte.

E será que foi realmente Gregório?

Conforme os estudos efetuados, verificou-se que durante os primeiros depoimentos, Alcino e Climério informaram que efetuaram o atentado a mando de Lutero Vargas, mas em seus depoimentos posteriores, nada mais constou sobre isto.
Lacerda (1994, p.303) traz que Lutero Vargas apesar de todas as provas e todas as testemunhas resolveu investigar por contra própria, tendo após suas pesquisas alegado ter descoberto uma conspiração contra Getúlio Vargas, eis que Alcino era capanga de Tenório Cavalcanti e fora contratado não para matar Lacerda, e sim o militar que o acompanhava, tendo para isso recebido muitos dólares. Depois Lutero iniciou dúvidas sobre o ferimento de Lacerda, pois a deputada Ivete Vargas teria uma testemunha, Fernando Aguinaga, qual em depoimento ao CPDOC/FGV informou que não havia ferimento nenhum no pé de Carlos Lacerda e que este caminhava normalmente.
Apesar de todos os relatos posteriores querendo indicar uma conspiração para derrubar Getúlio Vargas do poder, jamais se teve a certeza de quem teria sido o mandante. Apesar da confissão de Gregório Fortunato, sempre houve dúvidas e indícios de que este teria assumido a autoria para proteger amigos que sempre disse que jamais iria trair, tal qual Benjamin Vargas e até mesmo Lutero Vargas, preferindo tão somente, delatar o deputado Euvaldo Lodi e o general Mendes de Morais.
Verificou-se também, que os inquéritos realizados foram de grande parcialidade, bem como, afrontou por completo a Constituição ao impedir que o advogado de defesa Carlos de Araújo Lima tivesse oportunidade de conversar em particular com seu cliente Gregório. Não se saberá também o envolvimento de outros indivíduos em face ao “sumiço” dos arquivos pessoais de Gregório durante o Inquérito Policial Militar. Restará também a dúvida quanto aos motivos da morte de Gregório durante o cumprimento da pena, se fora mesmo queima de arquivo, ou se foi inveja de algum outro detento pela posição que Gregório ocupou durante os governos de Getúlio.

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