GRANDES PERSONAGENS DA NOSSA HISTÓRIA - DONGA
Ernesto Joaquim Maria dos Santos - Donga (Rio de Janeiro RJ 1890 - idem 1974). Compositor, instrumentista (violão e cavaquinho). Filho do pedreiro Pedro Joaquim Maria dos Santos e de Amélia Silva dos Santos, é conhecido pelo apelido "Donga". Há controvérsias sobre a data de nascimento do compositor: ela está entre os anos de 1889, 1890 e 1891 e os meses de abril e maio. Sua mãe, chamada de Tia Amélia, é uma das figuras-chave do grupo das "baianas do bairro da Cidade Nova", do qual também faz parte Tia Ciata. Além da organização de festas, rodas de música, cultos religiosos afro-brasileiros, ela colabora na fundação de blocos e ranchos carnavalescos, dos quais Donga participa ainda menino.
Donga aprende a tocar cavaquinho e violão na infância e compõe suas primeiras canções na adolescência. É com o grupo de jovens músicos que frequentam a casa das tias baianas na Cidade Nova e Saúde que inicia a vida artística. Entre 1913 e 1914, com o pseudônimo Zé Vicente, se junta aos amigos Pixinguinha e Caninha para compor o Grupo do Caxangá, liderado por João Pernambuco, que se dedica aos temas nordestinos, como é moda na época. Cerca de dois anos mais tarde, após reunião festiva na casa de Tia Ciata, compõe Pelo Telefone, com Mauro de Almeida, canção baseada nas várias referências musicais presentes nos encontros. Sucesso no Carnaval de 1917.
Na década de 1920, Donga inicia ativa vida profissional, participando de diversos conjuntos. Em 1919, como violonista, faz parte do grupo Os Oito Batutas, liderado por Pixinguinha, que começa tocando no saguão do Cinema Palais. No primeiro semestre de 1922, patrocinados por Arnaldo Guinle, apresentam-se como Les Batutas no Dancing Sherazade, com sucesso em Paris, mas separam-se logo em seguida. Na volta passam por Buenos Aires e gravam pela RCA Victor. Em 1926, Donga participa do grupo Carlito Jazz para acompanhar a campanha de revistas Batachan (França) e com ele retorna em turnê à Europa. Cria, em 1928, a Orquestra Típica Pixinguinha−Donga, seguindo vários intérpretes e gravando com eles.
Nos anos1930 os dois músicos e amigos fundam os grupos Diabos do Céu e Guarda Velha. Eles se apresentam em diversas emissoras de rádio e acompanham inúmeros intérpretes em gravações. Em 1932, Donga se casa com a cantora Zaíra de Oliveira, com quem tem a única filha, Lígia. Sua esposa falece em 1951 e dois anos depois se casa com Maria das Dores dos Santos.
Em 1940 é convidado por Heitor Villa-Lobos para participar, com João da Baiana e Pixinguinha, de encontro com o maestro inglês radicado nos Estados Unidos Leopold Stokowski (1882 - 1976). As gravações no navio Uruguai, ancorado no Rio de Janeiro, redundam no disco Native Brazilian Music. Das 16 músicas selecionadas para o disco, nove têm assinatura de Donga, entre elas a embolada Bambo do Bambu (com Patrício Teixeira), interpretada pela dupla Jararaca e Ratinho. Essa canção é posteriormente gravada por Carmen Miranda nos Estados Unidos, em 1939, e por Ney Matogrosso, no LP ...Pois É, em 1983. Por iniciativa do radialista Almirante, forma com Pixinguinha, em 1954, o conjunto Velha Guarda, cujo objetivo é retomar a obra e a vida artística dos músicos mais antigos. O grupo toca no programa do Almirante, Pessoal da Velha Guarda, até 1958, além de se apresentar em diversos espetáculos, como o Festival da Velha Guarda, em São Paulo (1954/1955).
Donga é um dos primeiros artistas a gravar depoimento no Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro (MIS/RJ), em 1969. Paralela à vida artística, faz carreira como oficial de justiça, função na qual se aposenta.
Comentário Crítico
Donga cresce em um ambiente musical repleto ainda de referências culturais do século XIX e de origem rural, mas que já comporta novos elementos do cenário urbano carioca. É principalmente na casa da Tia Ciata que ele convive com os aspectos das culturas afro-americanas e rurais que ainda persistem de modo transformado nas primeiras décadas do século XX e se revelam em algumas de suas composições. Essas características podem ser identificadas no jongo Sai, Exu (1922), parceria com China, no ponto de macumba Que Querê (1932), com João da Baiana e Pixinguinha, e em Macumba de Oxóssi (1940) e Macumba de Iansã (1940), com Espinguela. Além das composições de feições religiosas, ele deixa registrados sambas de partido alto como Há! Hu! Lá! Ho! (1931), com João da Baiana e Pixinguinha; batucadas Vi o Pombo Geme (1932) e Conversa de Crioulo (1932), com João da Baiana e Pixinguinha, e Casca de Banana (1946), com Jararaca; e a chula raiada Patrão, Prenda Seu Gado (1931), em parceria com João da Baiana e Pixinguinha, ambas lançadas nas duas faces do mesmo disco pelo Grupo Guarda Velha.
Mas a maior parte de sua obra, constituída por quase uma centena de canções, é composta de vários gêneros, como as marchinhas Bicho Papão (1935), com Eduardo de Almeida, Uma Estrela Brilhou (1939), com Sá Róris, Quando uma Estrela Sorri (1941), com Davi Nasser; os choros Nosso Ideal (1929), Não Sei (1930), Malabarista (1948); e principalmente os sambas, entre dezenas deles, A Pombinha (1919), com Pixinguinha, Passarinho Bateu Asas (1928), com Leonardo Mota, Este Meio Não Serve (1936), com Noel Rosa e gravada por Mário Reis, Tira Meu Nome do Meio (1944), com Zé da Zilda. É nesse universo da cultura musical urbana que a trajetória de Donga revela-se importante e ponto de mudança, já que sua composição Pelo Telefone, com Mauro de Almeida (1917), torna-se um marco na história do samba urbano. O sucesso que alcança nesse ano, a polêmica que envolve a composição da canção e a bibliografia produzida posteriormente em torno dela são registros que evidenciam sua importância.
A controvérsia da época é exposta na disputa pela autoria, que não seria exclusivamente de Donga, mas composta coletivamente em festas na casa da Tia Ciata. Além disso, há a introdução na canção de um popular refrão do Nordeste do Brasil (Olha a rolinha, sinhô, sinhô...). Desse modo, Donga teria simplesmente se apropriado de criações coletivas e anônimas, registrando-as em nova forma de "samba" e sendo apenas dele (prática muito comum na época e consagrada na frase de Sinhô de que os sambas são "como passarinho; é de quem pegar primeiro..."). O quebra-cabeça melódico e poético formado pelas diversas peças que constituem Pelo Telefone teria sido organizado e recomposto pelo jornalista Mauro de Almeida (mais conhecido como Peru dos Pés Frios), que ganha coautoria da obra.
Há uma série de fatores apresentados para justificar a seleção de Pelo Telefone como marco da moderna música popular urbana. O primeiro deles está relacionado com a intenção propositada do autor de registrá-la como um samba e a subsequente indicação do gênero no selo do disco como "samba carnavalesco", fato raro no início do século XX, já que o samba urbano ainda não era um gênero muito bem definido e pouco atraente do ponto de vista comercial. Além disso, a atitude de Donga ao registrar a partitura da canção na Biblioteca Nacional ultrapassa os tradicionais limites da criação coletiva e anônima da música popular da época. Ela já revela uma postura de "compositor moderno", que identifica a autoria individual para assegurar seus direitos sobre a obra e obter retorno financeiro. A partitura manuscrita para piano de Pelo Telefone é registrada na Biblioteca Nacional em 27 de novembro de 1916 e a primeira editada para divulgação comercial surge no mês seguinte. Em janeiro de 1917 são realizadas três gravações pela Casa Edison, baseadas nesses registros públicos. A segunda gravação, interpretada por Baiano e acompanhada somente de cavaquinho e violão, atinge grande repercussão no Carnaval daquele ano.
Outro elemento importante de destaque: o sucesso de público que a canção alcança a transforma em atraente mercadoria comercial. Assim, em Pelo Telefone estão decantados os elementos da moderna música popular: o gênero samba urbano, composto por autor conhecido, gravado em fonogramas, com objetivo comercial e que obtém divulgação "de massa". Portanto, essa canção inicia uma nova fase da produção musical no país e torna-se uma referência na história da música popular brasileira.
Um tanto esquecido na década de 1950, dois movimentos procuram recuperar o trabalho de Donga e seus contemporâneos, como Pixinguinha. Almirante forma o grupo Velha Guarda com o objetivo de resgatar as obras do início do século XX e criar condições de subsistência aos antigos artistas. Seguindo essa trilha, a crítica delimita e depois consagra essa geração como a dos "primitivos" que formulam a "época de ouro" da música popular. Donga só chega ao LP no ano de sua morte, em 1974, com A Música de Donga (Disco Marcus Pereira) com faixas compiladas e novas gravações de Elizeth Cardoso, Leci Brandão, Paulo Tapajós, Gisa Nogueira, Marçal, Dino, Meira, Canhoto, Altamiro Carrilho, Joel Nascimento e Abel Ferreira.
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